Vasilisa Petrovna nasceu e cresceu em meio a segurança, encantamento e tranquila prosperidade de Lesnaya Zemlya, propriedade rural localizada a longínquos quilômetros de uma Moscou urbanizada e em verdadeiro processo de consolidação, dentro dos recortes histórico culturais daquela que hoje compreendemos como Rússia Medieval. Em meio ao orvalho delicadamente depositado nos verdes campos de sua residência, desvendando os segredos dos seres curiosos e inusitados que viviam na floresta, Vasya encontrou um mundo fantástico de contos de fadas. Exercitando a visão e ensinamentos transmitidos pela mãe que nunca conheceu, a garota demostrou o valor do folclore, das crenças transmitidas de geração para geração, da magia que existe e resiste ao longo de toda e qualquer transformação.

Não existem monstros no mundo, nem santos. Apenas tonalidades infinitas, escuras e claras, tecidas na mesma tapeçaria. O monstro de um homem é o benquisto de outro.

Vasilisa Petrovna interferiu na guerra lendária de Medved e Morozko. Foi prometida em casamento para um boiardo cruel e dolorosamente preconceituoso. Firmou amizade com o cavalo mais adorável e fiel que este mundo já encontrou. Enfrentou os questionamentos de uma religião crescente e a perseguição de um padre em busca de poder. Garantiu a força, vida e resistência do domovoy de sua família, mas de tantas outras também. Viu seu pai oferecer a vida em troca de seu futuro. Se deixou encantar pelas ruas, pessoas e construções de Moscou. Acompanhou sua irmã enquanto casava com um príncipe, seu irmão enquanto se tornava padre e conselheiro do grão-príncipe Dimitri, sua sobrinha enquanto deslocava o véu que cobre o mundo mágico e humano.

Em suas crenças, em sua coragem, valentia, amor e empatia, Vasya derreteu o coração do Rei do Inverno, derrotou um feiticeiro imortal, amordaçou o Urso do Caos, instigou a ira do descrente padre Konstantin e libertou um pássaro de fogo… agora, em todas as suas boas intenções, mal-entendidos, encantamento e persistência, ela enfrenta as consequências de suas ações, a inquisição dos homens, a desconfiança do mundo mágico, a crescente presença da guerra, mas também a oportunidade de firmar um mundo onde pessoas comuns, religiosos e seres mágicos sejam capazes de viver harmoniosa e tranquilamente em seus domínios, em suas crenças e em suas curiosas relações uns para com os outros.

O Inverno da Bruxa tem início logo após os acontecimentos finais de A Menina na Torre, prosseguindo por entre os destinos de personagens com o que poderíamos considerar como alguns percalços e algumas escolhas narrativas de partir o coração do leitor ou fazer com que revire os olhos perante a certeza – infundada, graças à Katherine Arden – de que abandonaríamos a lenda em detrimento do romance. Contudo, chegamos ao desfecho desta mistura de conto de fadas folclórico com romance histórico de maneira inspiradora, cativante e notável. Percebemos alguns dos acontecimentos cruciais e revelações antes do tempo devido? Sim. Mas também nos surpreendemos com os presentes, lições e personalidades tão carinhosamente oferecidos pela criadora desta história!

Confira a resenha de A Menina na Torre

Embora um terço do percurso narrativo do último volume da Trilogia Winternight relembre a clássica estratégia em que são definidas ações que os personagens precisam realizar e lugares que precisam visitar, O Inverno da Bruxa bela e fervorosamente se recusa a transformar-se em comparativo a séries como Percy Jackson e os Olimpianos ou A Saga do Tigre. Passada a fase de finalização de tarefas e concretização de missões, retornamos ao universo que tanto amamos, bem como ao estilo de escrita que tanto marca, interliga e caracteriza a história de Vasya. Katherine Arden segue fundamentando seu conto de fadas em fatos históricos, em contextos sócio culturais, em mitos e folclore eslavos, nos dados de uma pesquisa que se interliga harmoniosamente a história, nunca parecendo forçado, nunca se assemelhando a uma palestra ou exposição de detalhes que pouco serão capazes de interferir nos direcionamentos narrativos. E caso toda e cada uma destas características não fossem suficientes, uma vez mais a autora insere mensagens, reflexões, lições e críticas em sua história.

Seja no questionamento do sistema patriarcal, nas críticas acerca da posição feminina na sociedade, na exposição das limitações impostas às mulheres e na perseguição que sofrem ao alcançarem liberdade dos moldes que as aprisionaram, ou mesmo na reflexão sobre os aspectos positivos e negativos da religião formada e propagada por seres humanos falhos, Katherine Arden demonstra talento, habilidade de escrita e capacidade de interligar elementos, características e detalhes diferentes dentro de uma história. Novamente, nunca parecendo forçado, nunca se assemelhando a uma brecha para que o escritor se apresente na narrativa – apesar de apresentarem-se a todo momento, de uma maneira ou de outra. Aqui reina o equilíbrio entre o conto de fadas e os questionamentos, entre o romance histórico e o posicionamento crítico, entre o folclore e a magia que existe em acreditar que o impossível pode ser realizado.

Impecável em seus direcionamentos, tocante em suas escolhas narrativas e emocionante em seu desfecho, O Inverno da Bruxa também possuí deslizes, pequenos detalhes defeituosos que um leitor crítico e apaixonado é capaz de observar, reconhecer e relevar… pois a verdade, meus caros, é que mesmo os pontos mais irritantes da história a transformam no conto fantástico que nos cativa e emociona!

Naquele um terço de livro mencionado anteriormente os deslocamentos entre mundo mágico e humano, as missões que necessitam concretização e a constante mudança de um ponto a outro reduzem o ritmo de leitura e cansam o leitor. Infelizmente, não existe remédio para o fato e as escolhas da autora se fazem entender com o decorrer da história, porém, o detalhe que verdadeiramente me desagradou – juntamente com tantos outros leitores ao redor do globo – foi a maneira com que, de um momento para outro, nos atiramos nas brasas de um romance tempestuoso entre o Rei e a Bruxa do Inverno. Ainda que o mesmo estivesse em processo de construção e consolidação desde o primeiro volume da trilogia, pareceu-me precipitada a forma com que a emoção ressurge e é empregada para, não somente preencher espaço necessário nos rumos da narrativa, mas também garantir que os caminhos escolhidos por Katherine Arden se alinhem.

No fim, com todos os seus percalços, magia que transborda pelas páginas, personagens belíssimos e ricamente construídos, fundamentos históricos, momentos irritantes e cansativos, surpresas que se apresentam como verdadeiros presentes ao leitor e desfecho digno do mais belo conto de fadas, O Inverno da Bruxa é o final perfeito para uma trilogia perfeita.

Virar as páginas e finalizar os três livros de Winternight é aventurar-se por terras distantes, é caminhar pelas ruas movimentadas de uma Moscou medieval, é conhecer os segredos de mitos peculiares, é sentir o amor e a lealdade de um Rouxinol, é deixar-se cativar por seres folclóricos e garotas corajosas, é descobrir que a magia reside em cada um de nós! Ao longo de suas frases e capítulos acompanhamos um conto de fadas, um romance histórico, a trajetória de uma garota que ousou acreditar. Estes são livros para os amantes da fantasia, para os iniciantes no gênero, mas também para todos aqueles cujos corações clamam pelo encantamento que somente antigos e lendários contos de fadas são capazes de evocar.

  • The Winter of the Witch
  • Autor: Katherine Arden
  • Tradução: Eliza Nazarian
  • Ano: 2020
  • Editora: Fábrica 231
  • Páginas: 366
  • Amazon

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