Transportando o espectador para a Hollywood dos anos 30, recriando sua atmosfera glamorosa cheia de excessos e dissonâncias, David Fincher apresenta um banquete para os amantes do cinema com Mank que narra a história de um dos casos mais polêmicos relacionados a películas e direitos autorais de um roteiro cinematográfico.

Com ares noir que remetem aos clássicos thrillers e filmes detetivescos, em Mank, roteirizado em 1990 por Jack Fincher, pai do diretor, a cortina de ouro hollywoodiana transparece seus rasgos e podemos ver as dificuldades, vícios, percalços e diversos acontecimentos tragicômicos que Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman) trilhou para desenvolver o brilhante texto que inauguraria uma nova forma de contar histórias no cinema.

Me refiro ao gigante de 1941, considerado por muitos até hoje como o melhor filme de todos os tempos, Cidadão Kane dirigido, atuado e “coescrito” pelo prodígio Orson Welles – certamente você recorda desse nome devido à transmissão, feita na rádio CBS em 1937 nos Estados Unidos, do clássico de ficção científica A Guerra dos Mundos de H. G. Wells, quando toda a população acreditou que os marcianos estavam invadindo o planeta Terra – vindo a marcar sua estreia no cinema naquele ano e sendo, inclusive, indicado a 9 categorias do Oscar mas ganhando apenas a de Melhor Roteiro Original.

Um período que beira a Segunda Guerra Mundial, onde as divergências entre pensamentos e classes se mostra à beira do estopim enquanto a população parece se afundar em dívidas, mentiras e álcool. Bem-vindos à Era de Ouro de Hollywood e a todos os seus acompanhantes!

O longa-metragem de 2020, disponível na plataforma de streaming Netflix, é vencedor do ADG Awards na categoria Melhor Design de Época (Donald Graham Burt), ASC Awards na categoria Melhor Fotografia de Cinema (Erik Messerschmidt), Satellite Awards nas categorias Melhor Fotografia (Erik Messerschmidt), Melhor Atriz Coadjuvante (Amanda Seyfried) e Melhor Direção de Arte (Donald Graham Burt, Jan Pascale), BAFTA Awards na categoria Melhor Design de Produção (Donald Graham Burt, Jan Pascale) e no Critic’s Choice Awards na categoria Melhor Direção de Arte (Donald Graham Burt, Jan Pascale).

Não se tratando do processo em si, mas dos motivos que levaram Mank a escrever o roteiro de Cidadão Kane assumindo todos os riscos possíveis com aquela história – visto que trata, basicamente, da biografia do magnata das comunicações William Randolph Hearst (Charles Dance) – como perda de prestígio e ruína financeira, para dizer o mínimo, o filme de Fincher desnuda, ainda que em segundo plano, as excentricidades e inseguranças das estrelas hollywoodianas como Marion Davies (Amanda Seyfried) a segunda esposa de Hearst.

O enredo tem início nos anos 40, num rancho em Victorville, Los Angeles, onde temos Herman Mankiewicz (Gary Oldman) “aprisionado” por Orson Welles (Tom Burke) após um acidente de carro – para que melhor se concentrasse em sua escrita sem distrações da bebida, festas e jogatinas – onde fica acamado com a perna quebrada, acompanhado pela enfermeira refugiada alemã Fraulein Freda (Monika Gossmann) e a datilógrafa britânica Rita Alexander (Lily Collins) durante todo o processo da escrita.

Filho de imigrantes judeus alemães, nascido em Nova York em 1898, Mankiewicz se formou na Universidade de Columbia em 1917 e dez anos depois viria a ser chefe do departamento de roteiros da Paramount, em Hollywood, onde vemos grande parte dos flashbacks – além dos bastidores da MGM e das festas e reuniões no castelo de Hearst em San Simeon – que aconteceram em meados dos anos 30.

Trazendo toda uma gama de referências aos acontecimentos da época – filmes como O Mágico de Oz de Victor Flemming baseado no romance de L. Frank Baum, Coração das Trevas na transmissão de rádio na CBS por Orson Welles baseado no romance de Joseph Conrad e o autor F. Scoot Fitzsgerald, os efeitos do crash da bolsa de Nova York em 1929, o corte dos salários em Hollywood, discussões sobre capitalismo e socialismo durante as eleições governamentais da Califórnia, manipulação dos veículos de informação, a ascensão de Hitler e o nazismo na Alemanha, etc – as lembranças de Mank auxiliam o espectador no melhor entendimento do seu crescente sentimento de pária em meio à nata glamorosa da sociedade hollywoodiana o que culmina em sua aparência cada vez mais de “bobo da corte” para grande parte desse círculo.

Ao trazer a película em preto e branco, com todo o passo semelhante a Cidadão Kane, onde a história narrada não é mais linear, mas sim contada de forma orgânica e crível, praticamente como um círculo, Fincher entrega uma obra de arte em seu todo que merece ser revisitada em um futuro próximo.

Do elenco de peso, suas atuações e no desenvolvimento, ainda que não de todo superficial e muito menos profundo, de seus personagens, aos ambientes à meia-luz remetendo a uma pintura de Rembrandt onde o espectador se vê automaticamente imerso no seio de extremos que foi a era de Ouro de Hollywood, mas que certamente ainda o é, aos figurinos e cenários característicos da época e, sobretudo, na brilhante composição da trilha sonora (Trent Reznor, Atticus Ross) que termina de sequestrar o amante do cinema para dentro do drama biográfico fazendo-nos questionar quem realmente teria sido o autor do roteiro – visto que o diretor toma partido de Mankiewicz­ – bem como dos demais assuntos retratados ao longo dos 131 minutos do filme.

Favorito para o Oscar 2021, Mank é indicado em 10 categorias da Academia, sendo elas a de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Gary Oldman), Melhor Atriz Coadjuvante (Amanda Seyfried), Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Maquiagem e Cabelo, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Design de Produção e Melhor Som.

Com a atuação brilhante de Gary Oldman, o Mank falastrão, de pensamento rápido, criatividade marcante e vícios típicos de um homem de 40 anos da indústria cinematográfica hollywoodiana, e ainda assim extremamente fiel aos seus ideais, irá conquistar você e quem sabe te fará torcer para que este seja o grande premiado da noite de 25 de abril.

  • Mank
  • Lançamento: 2020
  • Com: Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collins, Tom Burke
  • Gênero: Drama Biográfico
  • Direção: David Fincher
  • Duração: 2h11m

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