Emira Tucker é uma jovem de vinte e cinco anos, negra, que trabalha de babá para a família Chamberlain, branca. Certa noite seus serviços são solicitados emergencialmente para que ela possa cuidar da garotinha, Briar, enquanto seus pais resolvem um problema. Emira precisa tirar Briar de casa por algum tempo e a leva para um supermercado no mesmo bairro de sua residência, em um dos corredores sua presença e a da menina acabam chamando a atenção, fazendo com que Emira seja abordada por um segurança que a acusa de ter sequestrado a Briar.

A situação se agrava e acaba atraindo a presença de alguns frequentadores do lugar e um deles grava toda a cena, que só termina quando Emira consegue ligar para o pai da Briar e ele vai ao seu encontro. O “incidente” deixa a família Chamberlain muito chateada, principalmente Alix mãe de Briar, que é dona de uma marca de empoderamento feminino e que deseja ajudar Emira a fazer justiça. Entretanto tudo que a jovem quer é deixar os acontecimentos daquela noite cair no esquecimento, ela teme a exposição, as consequências que o feito poderia gerar, principalmente pelo fato dela estar prestes a perder o seguro-saúde e estar sem registros a procura de um emprego. Só que tudo muda quando o passado de Alix colide com o presente de Emira, trazendo à tona velhas feridas e erros que irão se embaralhar e transformar a relação dessas mulheres e tudo a sua volta.

Assim que li a sinopse de Na Corda Bamba, fiquei inquieta querendo muito ler a obra, a premissa de uma jovem negra que trabalha como babá para uma família branca e que acaba por ser acusada de sequestro, infelizmente traz à tona uma realidade comum, a realidade de uma sociedade que ainda hoje é preconceituosa, racista e cheia de intenções que juram serem boas. E é deste modo que somos apresentados a Emira, com um primeiro capítulo indigesto, doloroso e angustiante, vendo uma jovem ser acuada por sua cor, cabelo e vestes. Em como ela tenta se esquivar/superar a situação e apenas seguir em frente, pois existem muitos outros problemas aos quais ela está enfrentando no momento.


E em contrapartida, também temos a maneira como os brancos a sua volta difundem e compreendem – ou não -, o racismo que a jovem sofreu. Mas engana-se quem pensa que a obra se prende apenas a este acontecimento – apesar dele ser o centro da narrativa -, ao longo dos capítulos vamos compreendendo que a história é construída em camadas, e que temos outras questões a serem debatidas, tais como relacionamento interracial, privilégios, classe social, vida adulta, amizade, relações familiares e confiança.

“Emira sabia que deveria ter ficado mais incomodada com o preconceito flagrante daquela discussão. Porém, mais do que expô-la ao racismo, a noite no Market Depot trouxera uma enxurrada de mal estar […].”

Narrado em terceira pessoa, os capítulos se intercalam ora por Emira, ora por Alix, o que nos ajuda a compreender melhor o contraste da realidade de ambas. Enquanto que Emira é uma jovem simples, buscando descobrir sua vocação, qual carreira seguir e a procura de um emprego que ofereça a ela registro e benefícios, Alix é uma mulher bem sucedida, casada, com uma marca de renome e que sempre se mostra cheia das boas intenções, expressando de maneira inconsciente o racismo estrutural que acaba por ser reproduzido naturalmente. Emira é responsável por cuidar de Briar, a filha mais velha de Alix, e o relacionamento entre elas é lindo de acompanhar, todo o carinho, atenção, paciência, compreensão que a mesma dedica a criança. E é nesse momento que temos o contraponto em relação a forma como Alix, lida com as duas filhas.

Na Corda Bamba, é uma obra tocante, necessária, sensível e perspicaz. Que critica a branquitude e suas muitas contradições, assim como nos faz refletir e querer buscar mais informações sobre o racismo estrutural, privilégios, movimentos como “Vidas Negras Importam”, e a necessidade da informação, de estudar, de falar mais sobre e entender que é urgente, que é para agora, que não podemos e não devemos continuar “aceitando” e presenciado cenas assim e achar que foi um caso isolado, porque nunca é.

“Todos os dias eu a vejo se apegar mais e mais ao sentimento de ser ignorada pela pessoa que ela mais ama. E ela é uma criança incrível e séria que adora fazer perguntas e saber as coisas, e como é que a própria mãe dela pode ser incapaz de valorizar tudo isso?”

Ainda preciso ressaltar que amei a maneira como a autora construiu sua narrativa, nada aqui é forçado, tudo é muito sutil e acontece naturalmente sem que soe como imposição. Os personagens são bem explorados, trabalhados de maneira que possamos conhece-los e até “compreender” suas escolhas. É uma obra capaz de emocionar, tocar, chocar e te deixar pensando sobre seus muitos acontecimentos. Fica aqui essa dica de leitura! Deem uma chance, a leitura deste livro com certeza tem algo a te acrescentar.

  • Such a Fun Age
  • Autor: Kiley Reid
  • Tradução: Roberta Clapp
  • Ano: 2020
  • Editora: Arqueiro
  • Páginas: 320
  • Amazon

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