Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres foi o primeiro romance da escritora Clarice Lispector que li. Assim como os contos e crônicas da autora, trata-se de uma narrativa fundada na exploração da intimidade de seus personagens. Acompanhamos de perto nossa protagonista Lóri conforme vai se desenvolvendo pessoalmente e também através de um relacionamento amoroso.

Construir uma sinopse mais descritiva do que esta parece-me uma tarefa impossível, já que este não é um livro de acontecimentos. Este aspecto, inclusive, foi o que dificultou o início de minha leitura, por não conseguir capturar o contexto adequadamente a princípio. Foi aos poucos que percebi que o título do livro é perfeitamente adequado, e apresenta de maneira clara o contexto da história: a aprendizagem de Lóri a ter prazer.

Prazer, neste caso, inclui o prazer sexual, mas é muito mais amplo que ele. Lóri é uma personagem que vive a beira do abismo da angústia, carregando consigo muito medo da vida e do que ela lhe trará. Não é à toa que este não é um livro de acontecimentos, e nem carrega descrições banais de tarefas cotidianas: é que nada com Lóri é banal. Todos os acontecimentos lhe são estranhos, guardando em si algo que ela não consegue atingir completamente. Toda vez que se depara com uma situação do tipo, questiona-se a respeito da existência, fazendo perguntas tão complexas quanto “quem sou eu?”.

Ao não encontrar respostas para suas perguntas, perde-se em um emaranhado de pensamentos cada vez mais desconexos da vida concreta. Afastada de sua família e sem amigos, Lóri fecha-se cada vez mais dentro de seu medo e de seus pensamentos desesperadores e inconclusivos. Acompanhar Lóri nesta parte da jornada é angustiante, porque Lispector, com seu brilhante talento descritivo, nos aproxima de forma imagética das emoções e vivências de sua protagonista. A escrita pode ser complexa, mas isso se justifica: ela fala da complexidade daquelas experiências tão profundas que mal conseguimos descrever.

É com esta mesma poderosa construção narrativa que acompanhamos Lóri aprender que a vida não é apenas dor. A partir de seu encontro com Ulisses, um professor de filosofia, Lóri começa a questionar a vida que leva. A princípio com muito medo e endeusando Ulisses como uma espécie de guardião de uma sabedoria suprema, Lóri vai aos poucos e de maneira belíssima abrindo-se para a vida.

Acompanhar o processo de aprender a sentir alegria, prazer, e amor, é uma das experiências mais tocantes de se ter. É especial também que esta aprendizagem tenha sido protagonizada por uma mulher, em duplo sentido: protagonista do livro, e protagonista de seu processo de descoberta. Trata-se de uma narrativa bastante forte de crescimento feminino, principalmente considerando que esta foi escrita em 1969. 

São por estas razões que indico este livro sem pestanejar. Sei que a narrativa filosófica e introspectiva sobre os sentimentos dos personagens pode estar fora da zona de conforto de alguns, ou apenas não ser o tipo de leitura que os agrade. Apesar disso, considero que esta é uma das histórias mais bonitas sobre aprender a amar que já li, o que faz com que convide todas as pessoas que se interessam por este tipo de narrativa a ler Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres.

  • Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres
  • Autor: Clarice Lispector
  • Tradução: -
  • Ano: 2020
  • Editora: Rocco
  • Páginas: 160
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