Uma garota no início da adolescência, em meados dos anos 70, nos confins do estado mais distante dos Estados Unidos, adicione a tudo isto uma mãe extremamente católica, daquelas que seguem os preceitos da religião nos seus mínimos detalhes, ou pelo menos o que ela entendia deles.

Esta é a vida de Carrie, fortemente afetada pelo bullying de seus colegas que a chamavam de estranha. Como se as coisas não pudessem piorar, algo inesperado e desconhecido acontece com ela na frente de todos, aumentando ainda mais aquilo que ela sofria, tanto na escola quanto dentro de casa. Os desdobramentos de Carrie levam a história para acontecimentos sobrenaturais, mas não é só disso que ele é feito, pelo contrário, Carrie é uma crítica à sociedade retrograda da época, mostrando um pouco da genialidade de Stephen King.

Este é inclusive seu primeiro livro, sim, o primeiro livro do mestre do terror, e por trás dele há uma história fascinante, que muitos já sabem mas que eu não poderia deixar de fora desta resenha. King achava que o livro estava muito ruim, não gostou da forma como escreveu suas primeiras páginas e jogou-as no lixo. Sua esposa (sempre as esposas salvando nós, os maridos descrentes do futuro), pegou o manuscrito do lixo e o convenceu a terminá-lo para uma editora. Bom… o resultado é história, o livro foi publicado e ele se tornou o maior escritor de todos os tempos, graças a Tabitha King.

Carrie era a quarta novela que ele escrevia, mas foi a primeira a ser publicada e eu entendo o motivo de Stephen não gostar deste livro a princípio, ele não tem o tamanho das grandes obras que ele escreveria no futuro, serve mais como um de seus longos contos, e este é um dos grandes motivos pelo qual sempre o indico para leitores que desejam iniciar em seus livros. Apesar de ser pequeno, pouco mais de 200 páginas, ele contém a essência do que se tornaria a escrita do mestre, e por ser curto não possui um dos principais pontos criticados, e difíceis, por quem está iniciando em seu universo, os momentos contínuos de grandes descrições e momentos que por muitas vezes são vistos apenas como enrolação.

Então, todos estes detalhes tornam essa uma das obras mais incríveis do meu escritor favorito, que agora conta com uma edição digna da sua qualidade, Carrie agora faz parte da coleção Biblioteca Stephen King da editora Suma, com capa dura e uma ilustração lindíssima, simplesmente indispensável.

A história de Carrie poderia ter sido um conto de terror, mas é o primeiro livro do mestre que crítica a sociedade com força, com elementos que eram pouco abordados em 1974, ano da sua publicação no exterior. Falar de bullying ou machismo naquela época já seria visto com estranheza, colocar menstruação, religião e ainda incluir em seu roteiro poderes em uma adolescente, que surge sendo mais um dos problemas em sua vida.

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Os poderes telecinéticos de Carrie geraram centenas de teorias sobre o motivo dela despertar daquela maneira, bem como vilões sempre são procurados dentro desta trama, comumente a mãe de Carrie que é colocada como sendo a pessoa mais errada da história. E é evidente que ela não lida bem com a situação, e que a relação que tem com sua filha é extremamente afetada e abalada pelos atos involuntários de Carrie e inflamados pelo seu fanatismo religioso.

Lendo hoje temos ainda mais críticas do que a sociedade teve à época sobre os personagens da história e Carrie acaba envelhecendo como deveria. A personagem em si era muito criticada na época, tida para muitos como um demônio, mas que hoje em dia é vista completamente diferente pela maioria, bem como temos capacidade ainda maior para discutir até mesmo o papel da escola quando Carrie sofria bullying ou em relação ao comportamento dos jovens que a cercavam.

Carrie é um livro, que, de tão genial, conseguiu mudar a maneira como era interpretado na época alterando até mesmo seu estilo literário, já que hoje em dia, lendo o livro pela primeira vez, você dificilmente terá a impressão de ler algo de terror, e sim uma obra quase de não ficção sobre problemas da sociedade. Essa é uma história fabulosa, que é o amago mais profundo do maior escritor da história, que quase não foi publicada, que quase não foi encerrada, que segue sendo fantástica, que mantém-se mais atual do que nunca.

Eu acho que até mesmo adolescentes poderiam ler facilmente para pensar em como lidam com certas situações difíceis de suas vidas. E além de tudo isso, que já seria o suficiente para apaixonar quem o lê, temos a edição mais linda que Carrie já teve em todo mundo, e seu final segue sendo inacreditavelmente fascinante, aí sim com um pouquinho de terror, choque e muito fogo.

  • Carrie
  • Autor: Stephen King
  • Tradução: Regiane Winarski
  • Ano: 2022
  • Editora: Suma
  • Páginas: 208
  • Amazon

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