Como explicar Lisa Jewell? Sua escrita é tão envolvente e insana, que a cada palavra que leio desta autora me sinto mais apaixonada, viciada, me contorcendo na cadeira, questionando minhas próprias percepções, desconfiando de tudo o que leio e estranhamente ansiosa por mais. É difícil explicar, colocar em palavras, porém, se posso iniciar essa resenha te dizendo algo é: se você gosta de thriller psicológico, apenas deem uma chance e leiam, é um caminho sem volta.

Imagine duas mulheres que não se conhecem, que jamais tiveram qualquer contato, mas que se encontram por mero acaso em um restaurante enquanto comemoram seus aniversários de 45 anos. Uma coincidência curiosa até engraçada, ou pelo menos assim Alix Summer, uma popular podcaster pensou. Já Josie Fair, a mais reservada e discreta, sente que elas estavam destinadas a este momento, e que o encontro não foi um mero acaso. Tudo fica ainda mais “estranho”, quando Josie começa a se infiltrar na vida de Alix, e Alix que está acostumada a contar histórias de superação feminina, se vê diante de uma nova possibilidade, algo grande, intrigante e que irá tomar proporções jamais esperadas.

“(…) como eu posso descrever? Quando ela não gosta da realidade ela vai atrás de uma que ela prefira.”

Nada disso é verdade, é um thriller psicológico que mais parece uma armadilha bem montada — e, acredite, você vai cair nela. Josie é uma mulher discreta, um pouco estranha, parece ter um passado perturbador, e está disposta a mudar sua vida e fazer isso diante de centenas de pessoas, tendo documentado cada detalhe no podcast de Alix. Ela acredita que tem muito a revelar, coisas que segundo ela são sombrias e difíceis. Alix fica relutante, mas não consegue resistir a tentação de mergulhar nessa história que parece ter caído de paraquedas em seu colo, afinal de contas, as pessoas amam histórias desconfortáveis e de superação. O que ela não imaginava, é que ao fazer isso; abrir as portas do seu estúdio e por consequência de sua casa, iria fazer com que vivesse uma invasão, e que aos pouquinhos as gravações e o que era revelado se tornasse cada vez mais impossível de distinguir entre o que é verdade, o que é mentira.

Um grande acerto na narrativa é a construção dos personagens, principalmente da nossa protagonista – Josie. Ela é o tipo de personagem que desde a primeira aparição já causa certo desconforto, já deixa subentendido que tem muito mais por trás do que ela está nos revelando. Ela não é apenas estranha… ela é opaca, distante, quase fria, mas ao mesmo tempo imprevisível, com uma densidade que nos é quase palpável, é uma frase desconectada aqui, um comportamento inadequado ali, um impulso que parece inofensivo, um algo a mais que sabemos que existe, mas que nunca conseguimos entender de fato o que é.

Ela pode ser a vítima, ou a vilã – ou ambos. E esse tipo de ambiguidade é o que a torna fascinante. Alix por sua vez, é uma personagem com que rapidamente nos identificamos, mãe, dona de casa, podcaster, uma mulher com uma vida confortável, movida por seus instintos, mas que também enfrenta uma situação complicada na vida, mas tenta contorna isso da melhor maneira possível. Ela representa essa postura passiva de quem acredita ter controle narrativo sobre a história do outro. Mas quando percebe que Josie talvez esteja manipulando tudo — já é tarde demais. E olha que nem esmiucei os demais personagens, o marido de Alix, o marido de Josie e suas filhas.

“E, por mais terrível que pareça, a morte é uma ruptura total que passa uma borracha em tudo. Não existe meio-termo. Não há ambiguidade. De certo modo, é como uma tela em branco…”

Como vocês já devem ter notado, eu AMEI essa leitura. Assim como venho amando cada livro desta autora que tenho o prazer de ler. Ela não nos oferece um enredo simples, com resposta fáceis, e muito menos explicações mastigadas, cabe a nós interpretar, julgar e concluir o que nos foi apresentado. Sua habilidade de transforma o cotidiano em algo mais sombrio e assustador, é admirável. Sua estrutura narrativa também é um ponto alto, ela intercala capítulos tradicionais, com transcrições do podcast, entrevistas documentais… e essa mistura entre o “real” e o “narrado”, oferece um tom mais perturbador, quase como se estivéssemos assistindo a uma série documental sobre um crime ainda em aberto. A verdade é que ela questiona a própria ideia de verdade dentro da ficção. E o título do livro prova isso. Desde o primeiro capítulo, somos convidados a suspeitar de tudo.

E eu já quero deixar bem claro que não há reviravoltas bombásticas a cada página, mas há uma pressão crescente, uma angústia quase física, e isso pode ser um ponto positivo para leitores que apreciam thrillers mais psicológicos, construídos com cuidado. Não há sustos baratos, nem exageros “cinematográficos” — o terror aqui está na possibilidade do comum virar perigoso. O que também pode ser considerado um ponto negativo, porque faz com que a história pareça em alguns momentos andar em círculos, como se Josie e Alix estivessem presas no mesmo dilema, incapazes de avançar.

Fato é que RECOMENDO FORTEMENTE a leitura, você não vai conseguir largar. Ela provoca, desconstrói e nos obriga a sair da zona de conforto. Não é um suspense para quem busca adrenalina fácil, mas sim para quem deseja mergulhar em uma história sombria, inteligente e profundamente humana. E é também uma crítica afiada à maneira como consumimos e compartilhamos histórias na era digital. O podcast é usado aqui como um pano de fundo da curiosidade voraz do público moderno, sempre faminto por tragédias, crimes, escândalos e revelações íntimas — e, muitas vezes, sem o menor senso de responsabilidade.

Se você gosta de thrillers psicológicos com camadas, personagens complexos e uma atmosfera de tensão constante, NADA DISSO É VERDADE é uma leitura obrigatória. E fica o recado, no universo das verdades parciais, a maior ameaça pode ser aquilo que escolhemos acreditar.

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