Que surpresa agradável conhecer as letras do autor Scott Turow. Este foi meu primeiro contato com ele e confesso, fui conquistada da primeira a última página. Eu amo o gênero thriller, e tenho um carinho especial pelos thrillers jurídicos, e esse aqui explora com riqueza de detalhes toda a preparação processual até as audiências, entregando um enredo corajoso, provocativo e para os leitores mais exigentes, eu diria que imperfeito, mas sem que isso roube o brilho da história.

Imagina o seguinte cenário, uma delegada Lucia Gomez, está sendo acusada de supostamente promover homens em troca de favores sexuais, ou seja, assédio, e abuso de poder. São três homens a acusando, e o cenário não poderia ser mais desfavorável a ela. Em uma época marcada por tensões políticas, interesses corporativos e tabus institucionais, uma acusação como essa se provada, pode acabar com sua carreira e de quem a apoia. É aí, que a delegada decide recorrer a alguém que a conhece desde o tempo da escola, Rik, um advogado de defesa, que está tentando tornar o nome do seu escritório mais popular, visando crescimento profissional, que sabe os riscos que o caso oferece, principalmente por ter uma ligação pessoal com a delegada, mas que também acredita em sua inocência e está disposto a trabalhar duro para esclarecer tudo. Clarice, ou melhor, Pink, nossa grande protagonista, uma personagem pouco convencional, trabalha para Rik como investigadora particular, toda tatuada, sarcástica, inteligente, dona de uma mente afiada e muito imprevisível, irá nos conduzir pela investigação, enquanto tenta provar, que as acusações foram fabricadas.

“(…) Na argumentação final, Rik dirá que em Highland Isle não existem regras explicitas contra “confraternização”, mas as filhas da delegada e seus vizinhos vão ler sobre o assunto, o boquete e tudo o mais. Ela venceu o round, mas não vai para casa com a vitória.”

A Suspeita, nos leva para um cenário bem atual, pós covid, e investiga os limites entre o poder, a verdade e a percepção pública em meio a um escândalo sexual envolvendo uma figura pública de autoridade. E como já mencionei, eu gostei muito da leitura. E isso se deve principalmente pelos personagens ambíguos, e muito bem construídos. Pink, é – diferentona -, nada ortodoxa, introspectiva, uma figura desconcertante, mesclando instinto, sagacidade e vulnerabilidade, com um tom sarcástico, cheia de julgamentos nada convencionais, ela conseguiu me cativar, me deixar presa na leitura, ansiosa por suas observações ácidas, atitudes calculadas e arriscadas, quase que impulsivas, soltando migalhas íntimas, fazendo com que eu tivesse vontade de conhecer mais sobre ela, e não somente sobre o trabalho que ela estava realizando. Uma narradora imperfeita, mas ao mesmo tempo, real, crua, que traz muita autenticidade a narrativa. Já Lucia Gomez, a delegada que está sob investigação, se apresenta como uma mulher muito forte, determinada, ousada, que precisa se manter firme diante da acusação de assédio de três homens, tendo seu cargo, sua reputação, e carreira expostos, encarando o escrutínio da impressa e da comunidade local, mas que está longe de ser retratada como uma vilã, ou mártir, humana, mas estratégica, consciente e vulnerável, oferecendo essa ambiguidade, nos desafiando a julgar e a acolher. E já faço uma menção honrosa a Tonya, que chega de mansinho na história e de repente cresce e se torna uma parte importante de todo o desenvolvimento do enredo. Mulheres potentes, com vozes marcantes.

“(…) — Sendo meio filosófico, sempre aceitei o fato de que o cliente tem direito de guardar segredos do seu advogado. Mas, sabe, enganar completamente a sua equipe jurídica é… digamos com delicadeza… contraproducente. Mais cedo ou mais tarde o cliente cai na areia movediça e muitas vezes o advogado não consegue tirá-lo de lá.”

A Suspeita, não é um thriller jurídico tradicional, e talvez nem seja essa a intenção do autor – a narração em primeira pessoa da Pink, foi uma ferramenta muito perspicaz. O livro aborda o PODER dentro das instituições fechadas, como narrativas são fabricadas, e como o sistema jurídico pode servir tanto à justiça, quanto ao jogo político, vingativo e insaciável. Mais do que resolver o mistério e encontrar a verdade, o enredo foca no processo: nas minúcias da investigação, na construção (e desconstrução) de testemunhos, e a linha tênue entre a verdade jurídica e a verdade moral, dissecando um sistema que tanto protege, quanto pune, nem sempre punindo os culpados certos. É o tipo de leitura que irá exigir mais envolvimento, reflexão, que é mais mente do que adrenalina, com um desfecho que entrega, mas que não gera aquela surpresa uau… por isso se você prefere mais ação, ou reviravoltas bombásticas pode acabar se frustrando um pouco. Mas, por outro lado, aborda temas cruciais como assédio no ambiente de trabalho, gênero e a presença da mulher em cargos de poder. Além disso, oferece uma sólida ambientação jurídica. Imperfeito? Sim. Mas inteligente, ousado e profundamente atual.

Deixo aqui minha FORTE recomendação. Vale muito a leitura, o texto é fluido, envolvente, os personagens são bem desenvolvidos, bem explorados, os cenários bem construídos, e o enredo muito interessante.

  • Suspect
  • Autor: Scott Turow
  • Tradução: Sandra Martha Dolinsky
  • Ano: 2024
  • Editora: Planeta do Brasil
  • Páginas: 368
  • Amazon

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