Muriel Barbery nasceu em Casablanca, uma cidade portuária do Marrocos. Quando jovem, mudou-se para Paris a fim de estudar Filosofia. Mais tarde, assumiria um cargo de professora e lecionaria, na Universidade de Saint-Lô, as profundas nuances do mais importante e antigo campo do conhecimento humano. Hoje a escritora, que já fixou morada em Kyoto e Amsterdam, vive distanciada dos grandes centros urbanos, aproveitando a atmosfera bucólica dos campos franceses.

Autora de A Elegância do Ouriço, sucesso de vendas que consolidou seu nome em meio a tantos nomes relevantes para o cenário da produção literária francesa e mundial, me era especial e peculiarmente desconhecida até o anúncio de publicação do livro Uma Rosa Só. Assim, como em tantos outros momentos no passado e tantos outros que me esperam no futuro, arrisquei na escolha da leitura de algo desconhecido que, facilmente, me direcionaria para fora da minha zona de conforto. Dentre surpresas e decepções, descobri uma escritora que expressa em palavras o olhar que somente alguém que já vivenciou diferentes cidades é capaz de consolidar. Percebi tendências estilísticas que cansaram minha mente leitora e dificultaram o avanço por entre as meras 166 páginas de livro. Por fim, após muito censurar-me por não ter aproveitado a experiência como, de início, gostaria ou esperaria, observei na narrativa a formação filosófica da autora, algo que muito me encantou, apesar de todos os pesares.

“O Japão é um país onde a gente sofre muito mas não presta atenção nesse sofrimento […] Como recompensa dessa indiferença à infelicidade, a gente colhe estes jardins onde os deuses vêm tomar chá.”

Ao longo da narrativa acompanharemos a viagem de Rose para Kyoto. Gentil e confortavelmente acomodada na residência do falecido pai que nunca conheceu, a botânica distanciada do convívio acadêmico e social percorrerá pensamentos, memórias e reflexões diversas enquanto, por entre uma sucessão cansativa de passeios pelos parques, templos e jardins japoneses, e uma sucessão ainda mais cansativa de jantares turbulentos com Paul, discípulo e amigo de seu pai, aguardará a leitura do testamento de Haru.

Tão breve quanto a quantidade de páginas de Uma Rosa Só, delimito em aproximadamente cinco linhas a estrutura desta narrativa que, com uma simplicidade fatigante de enredo e um desfecho curiosamente esperado, brilha muito mais pelo excessivo detalhamento e construção de imagens mentais, pelas adoráveis e intrincadas reflexões acerca da vida, amor, luto e desafios humanos, do que por qualquer tentativa de renovação literária. O livro não passa de um passeio pelas ruas de Kyoto, uma contemplação das sensações, texturas, atmosferas e detalhes vivenciados por uma personagem que, com diversos momentos de birra infantil, se recusa vigorosamente a encantar-se pelos momentos de tranquila observação da beleza delicadamente edificada por mãos humanas. Com seu talento inegável para a expressão escrita de cenários reais, Muriel Barbery nos surpreende e direciona para um universo repleto de mitologia, ensinamentos, cultura e vida.

Apesar das reinterpretações e inserção reestruturada de adoráveis anedotas pertencentes a cultura asiática, dos encantadores e pacíficos cenários, das imagens que se interligam a tudo aquilo que conhecemos sobre arte, paisagismo, arquitetura e atmosferas japonesas, o detalhamento excessivo transforma a experiência de leitura em algo cansativo. Avançamos lentamente pelas páginas, percorrendo caminhos narrativos que parecem repetir-se a todo momento. Da mesma maneira, a construção da protagonista não auxilia na conexão entre livro e leitor. De difícil aproximação, as constantes reclamações, implicâncias e grosserias de Rose se tornam tão cansativas quanto o detalhamento. Tudo lhe irrita, tudo lhe desagrada, tudo lhe incomoda e, assim, tudo passa a irritar, desagradar e incomodar o leitor.

É possível e potencialmente provável que o livro se localize em classificações de gênero e estilo literário curiosamente distantes daqueles que costumam me agradar, o que proporcionou o ressurgimento de meu olhar implicante perante características narrativas específicas. Do mesmo modo, poderia estar simples e peculiarmente num estado de espirito que pouco se alinhava com a experiência de leitura! E está tudo bem! Pois a literatura é e evoca todas as experiências literárias possíveis para todos os leitores existentes e inexistentes. Embora Uma Rosa Só tenha se destacado como uma tentativa de harmonizar os encantos e as decepções de um livro que não atendeu às expectativas de uma leitora que pouco o conhecia, poderá delimitar-se como algo perfeita e completamente diferente quando lido por outro leitor. E, isso é literatura … e que bom que assim ela é!

  • Une Rose seule
  • Autor: Muriel Barbery
  • Tradução: Rosa Freire d’Aguiar
  • Ano: 2022
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 166
  • Amazon

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