Temporada de Caça | Stephen Graham Jones

09 out, 2022 Por Clara Vieira

Temporada de Caça é o título brasileiro de The Only Good Indians, obra de terror escrita pelo autor indígena Stephen Graham Jones. Traduzida por Leandro Durazzo, a obra conta a história de um grupo de amigos indígenas da nação Blackfeet que invade uma parte de uma reserva proibida para caça e abate um grupo de cervos muito maior do que eles poderiam comer. Dez anos após o evento, Lewis, Ricky, Gabe e Cass veem suas vidas abaladas quando uma entidade aparece e deseja nada menos que vingança.

A tradução e publicação desta obra no Brasil geraram uma ocasião especial para que eu pudesse comentar um pouco de minhas impressões deste livro, já que eu havia realizado esta leitura no original inglês em abril de 2021. Apesar de não ter sido um livro perfeito, Temporada de Caça foi um dos meus livros favoritos de 2021 por diversas razões. Primeiramente, porque se trata do meu tipo de história de horror preferido: aquele que se utiliza de uma narrativa fantástica para tematizar o horror cotidiano, que pode ser invisibilizado e invisível para muitos.

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Nesta narrativa em específico, Stephen Graham Jones utilizou-se de uma entidade vingativa para falar sobre as consequências que a colonização trouxe para o povo indígena nativo da terra que hoje é os Estados Unidos. Esta denúncia aparece imiscuída na narrativa em trechos mais evidentes – falando de uma violência física, por exemplo – e também em seus aspectos menos aparentes, ligados as consequências de o colonialismo ter apartado os indígenas de sua ancestralidade, do que os ligava à vida e à terra. O título do livro em seu original inglês não foge deste enfoque crítico (“os únicos bons indígenas” em tradução livre para o português brasileiro), e quando a história esclareceu o porquê deste título muito do que estava sendo apresentado ganhou uma nova, assustadora e interessante dimensão para mim. Vale dizer, no entanto, que Temporada de Caça, apesar de ter um enfoque ligeiramente diverso do título original, ainda assim é um título muito simbólico, multifacetado, e que corresponde à perspectiva crítica que permeia este livro como um todo.

Um outro aspecto que faz este livro ser tão querido para mim é que minha percepção sobre ele parece amadurecer e alargar a cada vez que reflito sobre a sua narrativa, revelando novos sentidos presentes no texto e recursos estilísticos interessantes do autor. Um deles, por exemplo, foi o de apresentar como título da segunda parte do livro algo que acontecerá no final desta. Este recurso foi importantíssimo para construir o suspense do livro para mim: eu já sabia o que aconteceria, mas fiquei agoniada para saber como os acontecimentos chegariam àquele ponto, querendo ter esperanças, mas sem coragem para desenvolvê-las. É claro que essa foi uma sensação desconfortável, mas não é esse um dos principais intuitos de livros de horror?

Sei que disse anteriormente neste texto que Temporada de Caça não era um livro perfeito a meu ver. A razão desta opinião encontra-se no andamento narrativo do livro. Esta obra é dividida em três partes, todas permeadas pela aura de perseguição e vingança que constroem a tensão do livro; porém, senti que o ritmo da narrativa foi um pouco quebrado ao passar da primeira parte para a segunda. É importante que livros de horror tenham momentos mais calmos, para dar ao leitor um respiro entre situações tensas, e acredito que o início da segunda parte deste livro tenha desacelerado um pouco com essa intenção. Ocorre que, a meu ver, a narrativa acabou desacelerando demais, correndo o risco de perder o leitor em um momento importante de transição da história. 

Tendo feito esta ressalva, creio ser importante reiterar meu amor por Temporada de Caça. Trata-se de um livro bem escrito, instigante, profundo, e cheio de representatividade, que está sendo trazido ao Brasil em uma edição que mantém em sua capa grande parte da estética maravilhosa da edição original. Espero realmente que este seja mais um de muitos momentos de incentivo à literatura escrita por pessoas indígenas, cuja produção literária tem sido marginalizada por tantas editoras e leitores em nosso país ao longo dos anos.


  • The only good indians
  • Autor: Stephen Graham Jones
  • Tradução: Leandro Durazzo
  • Ano: 2022
  • Editora: Darkside Books
  • Páginas: 320
  • Amazon

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