Enterre Seus Mortos, por Louise Penny

O amado inspetor Armand Gamache está de volta, assim como a, até então, calma e serena cidade canadense de Three Pines. Este é o sexto livro da série do inspetor e, consequentemente, o sexto momento em que crimes estão relacionados à cidade que antes era considerada pacata e muito agradável — como eu imagino que seja todo o Canadá.

Desta vez, nosso inspetor terá que lidar com um caso do passado. Não o caso em si — o assassinato ocorre no presente —, mas está ligado a um artefato desaparecido há mais de quatro séculos.

Um arqueólogo é encontrado morto enquanto buscava esse artefato, e Gamache precisará entender do que se tratava aquela busca para descobrir quem poderia estar interessado no fim da sua vida. Por incrível que pareça, esse mistério nem é o tema principal do livro, nem aquilo que mais intensamente captará a atenção do leitor.

No último volume, Revelação Brutal, Gamache comete um terrível erro, e esse caso volta para assombrá-lo. Achei esse detalhe muito interessante, mesmo que seja bem perigoso. Boa parte da história está relacionada ao acontecimento do livro anterior, que, inclusive, achei fantástico por diversos motivos, mas principalmente por tirar a “perfeição” que normalmente encontramos nos detetives, mostrando-o como alguém realmente humano, capaz de acertar e errar.

Agora, vamos acompanhar os reflexos daquele equívoco, a ponto de que quem não leu o livro anterior se sentirá bem perdido em boa parte da história, pois personagens da trama passada irão reaparecer — como fantasmas bem reais — para confundir ainda mais a mente do nosso protagonista.

É um grande risco inserir elementos de enredos anteriores de maneira tão importante em uma nova trama. Mesmo que todos os leitores saibam que esse livro faz parte de uma série, ainda há a possibilidade de que se interessem justamente pela sinopse da nova publicação. Quando a sequência pertence ao gênero suspense, sempre surge a dúvida: será que o leitor poderá ler fora de ordem ou apenas aquele volume, já que os mistérios costumam ser independentes?

Normalmente, eu indicaria a leitura em qualquer ordem, mas este livro seria bem complicado para essa prática — então, não recomendaria que fosse lido isoladamente.

Como contraponto, há o fato de que esse livro gera um senso de pertencimento fenomenal nos leitores antigos, fãs de Gamache. Inclusive, traz respostas que foram deixadas em aberto no final do livro anterior. Esse detalhe vai além do fan service comum, pois insere novos elementos, relembrando personagens e afetando diretamente a construção psicológica do protagonista.

Todos esses detalhes me fizeram considerar este volume, facilmente, o melhor de toda a série do inspetor. Ele provoca diversos sentimentos que um livro deve despertar no leitor, mas que muitas vezes ficam em segundo plano — principalmente no que diz respeito à conexão com o protagonista, ainda mais quando falamos de uma série literária.

Sentimos receio sobre seu futuro, sobre sua capacidade, sobre a possibilidade de que ele desista e, até mesmo, sofra consequências duras pelos erros graves que cometeu. Tudo isso está relacionado à capacidade imensa de escrita que Louise Penny possui. Ela sabe como colocar seu personagem em situações difíceis, tornando esses casos extremamente reais e criando uma identificação que raramente encontramos em séries tão longas.

Gostei muito de Enterre Seus Mortos, mas ele definitivamente não é para qualquer um. A história pregressa toma conta das páginas e deixa o suspense completamente em segundo plano, o que pode ser negativo para alguns leitores na mesma proporção em que parecerá genial para outros.

Louise Penny é uma autora fenomenal, e Gamache também. Ele é um detetive sagaz, sem arrogância, com tiradas cômicas e reflexões duras. Seus pensamentos carregam uma ambiguidade capaz de conquistar qualquer tipo de leitor.

Gamache chegou à TV também, com sua série na MAX, que eu gostei bastante e fez sucesso nas noites aqui em casa. A adaptação deu uma nova vida aos seus livros, mostrando a face dos personagens que estávamos acostumados a ver apenas nas páginas literárias.